Os cartoons do ‘Charlie Hebdo’

Correio da Manhã/ PT – O jornal francês ‘Charlie Hebdo’ tem como uma das armas principais o cartoon para satirizar a atualidade. Veja algumas das capas mais marcantes desta publicação que ao longo dos anos tem retratado o mundo com humor, sem olhar a raças, sexo, religiões ou idades.

Em 2009, esta publicação assumiu Maomé como diretor durante uma das suas edições. Na capa, o 'Charlie Hebdo' mudou de nome para 'Charia Hebdo', fazendo o trocadilho com as leis religiosas da Sharia no mundo muçulmano, e com Maomé a prometer ao leitor "100 chicoteadas se não morrer a rir"

Em 2009, esta publicação assumiu Maomé como diretor durante uma das suas edições. Na capa, o ‘Charlie Hebdo’ mudou de nome para ‘Charia Hebdo’, fazendo o trocadilho com as leis religiosas da Sharia no mundo muçulmano, e com Maomé a prometer ao leitor “100 chicoteadas se não morrer a rir”

Nos dias depois da publicação dessa edição com Maomé na capa, a redação do jornal foi incendiada. Na edição seguinte, o jornal meteu na capa o profeta Maomé a beijar um jornalista do Charlie Hebdo com a frase "O amor é mais forte que o ódio"

Nos dias depois da publicação dessa edição com Maomé na capa, a redação do jornal foi incendiada. Na edição seguinte, o jornal meteu na capa o profeta Maomé a beijar um jornalista do Charlie Hebdo com a frase “O amor é mais forte que o ódio”

A revista trimestral que o jornal lançou no final de 2014 tem na capa a "verdadeira história do menino Jesus", com a imagem da Virgem Maria de pernas abertas e um bebé a sair disparado de braços abertos

A revista trimestral que o jornal lançou no final de 2014 tem na capa a “verdadeira história do menino Jesus”, com a imagem da Virgem Maria de pernas abertas e um bebé a sair disparado de braços abertos

Em 2006, após a polémica com os cartoons que um jornal dinamarquês publicou e levou aos vários protestos em todo o mundo da comunidade muçulmana, o Charlie Hebdo apoiou a liberdade de imprensa e publicou esses mesmos cartoons

Em 2006, após a polémica com os cartoons que um jornal dinamarquês publicou e levou aos vários protestos em todo o mundo da comunidade muçulmana, o Charlie Hebdo apoiou a liberdade de imprensa e publicou esses mesmos cartoons

Em julho de 2013 foi publicada a capa com a mensagem "O Corão é uma merda. Não protege das balas"

Em julho de 2013 foi publicada a capa com a mensagem “O Corão é uma merda. Não protege das balas”

O último cartoon publicado nas redes sociais do Charlie Hebdo, cerca de meia hora antes do atentado elvado a cabo por dois extremistas muçulmanos. Na imagem divulgada no Twitter e no Facebook, o líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, "deseja felicidades e muita saúde"

O último cartoon publicado nas redes sociais do Charlie Hebdo, cerca de meia hora antes do atentado elvado a cabo por dois extremistas muçulmanos. Na imagem divulgada no Twitter e no Facebook, o líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, “deseja felicidades e muita saúde”

O último cartoon de Charb, o cartoonista que foi um mortos no atentado terrorista ao jornal, assinou o seu último cartoon onde se lê "Não houve atentados em França", com um terrorista a exclamar "Esperem lá, até ao fim de janeiro ainda temos tempo para enviar os nossos desejos de boas-festas". Ao sétimo dia, Paris foi alvo de um ataque bárbaro que tirou a vida a 12 pessoas

O último cartoon de Charb, o cartoonista que foi um mortos no atentado terrorista ao jornal, assinou o seu último cartoon onde se lê “Não houve atentados em França”, com um terrorista a exclamar “Esperem lá, até ao fim de janeiro ainda temos tempo para enviar os nossos desejos de boas-festas”. Ao sétimo dia, Paris foi alvo de um ataque bárbaro que tirou a vida a 12 pessoas

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A Alá lo que es de Alá

por Davis Torres/ Público/ Es

 

 Zitty Berlin


Zitty Berlin

 

De acuerdo, los autores de la masacre de Charlie Hebdo entraron disparando sus kalashnikov al tiempo que gritaban “Alá es grande”. De acuerdo, eran musulmanes. De acuerdo, hay suras del Corán dedicadas a la yihad y al exterminio de los infieles que, sacadas de contexto, pueden justificar cualquier atrocidad. De ahí a inferir que el islam, la religión más extendida del planeta Tierra, con más de mil cien millones de seguidores, no es más que una serie de mandatos salvajes y homicidas contra todo lo que suene diferente, va un abismo. Aproximadamente el mismo que va a inferir que el responsable último de la matanza de Noruega, donde murieron 77 personas, es el cristianismo sólo por el hecho de que el homicida (Anders Breivik) era un fundamentalista luterano ultraconservador que justificó su acto en nombre de la defensa de una Europa civilizada, cristiana y blanca.

Para los mondrianes del pensamiento que aún dividen el mundo en parcelas del estilo oriente y occidente, blanco y negro, norte y sur, cristianismo e islam, traigo malas noticias. La principal es esa penosa creencia de que el cristianismo ya ha superado sus enfermedades de pubertad, la manía de las cruzadas, de matar brujas, ahorcar herejes y quemar libros. Lamento informarles de que en el norte de Uganda todavía quedan los restos del LRA (Ejército de Resistencia del Señor), una organización militar cristiana liderada por Joseph Kony y dedicada al saqueo, al asesinato y a la violación de niños durante un conflicto que tuvo en jaque la región durante más de dos décadas, lo que provocó el éxodo de dos millones de refugiados y al menos doce mil víctimas. Para que se hagan una idea del grado de bestialidad de estas alimañas (y vean que los cristianos de Kony no tienen nada que envidiar a los musulmanes del Estado Islámico), baste señalar que no sólo usan a los niños como esclavos sexuales sino que, entre las técnicas de entrenamiento para reclutarlos, les obligan a matar a sus propios padres. Para los imbéciles recalcitrantes que piensen que Uganda les cae muy lejos o que eso es cosa de los africanos o del color de la piel, habrá que recordar el nombre de la matanza religiosa más grave ocurrida en Europa desde la Segunda Guerra Mundial. No es fácil de pronunciar: Srebrenica.

Srebrenica, donde ocho mil bosnios musulmanes fueron ejecutados sólo por ser bosnios y por ser musulmanes, no tiene nada que ver con el cristianismo ni con la Iglesia Católica Apostólica Ortodoxa ni con la Biblia ni con el Nuevo Testamento. No hay una sola línea en las Escrituras que justifique esa matanza, por mucho que rebusquemos en los pasajes de Sodoma y Gomorra o en aquella curiosa frase de Jesucristo de que no había venido a traer la paz el mundo sino la espada y a enfrentar al hijo con el padre. Eso es mear fuera del tiesto, tan traído de los pelos como bucear en el Corán y sacar dos líneas del profeta para sugerir que el islam está detrás del atentado contra las Torres Gemelas o de la sangre derramada por unas caricaturas de Mahoma.

La historia es muy sencilla y no va de cristianos contra musulmanes, ni de islam contra occidente, ni de ricos contra pobres, sino de barbarie contra civilización. De lo que ha ido siempre. O ayudamos todos al islam a superar el cáncer del fundamentalismo y a inaugurar su propia ilustración, o estamos bien jodidos. Y ya que jugamos a teólogos, podemos señalar que los asesinos de Srebrenica, aparte de faltar al quinto mandamiento, tomaron el nombre de Dios en vano, un pecado tan repugnante como el de esos asesinos que entraron en la redacción de Charlie Hebdo con la boca llena de Alá y su grandeza. No olvidemos ni uno solo de los doce muertos en París, tampoco a Ahmed, el policía musulmán al que todos vimos suplicando piedad a sus asesinos, y que probablemente murmuró antes de morir: “Alá es grande”. Musulmanes matando a musulmanes y franceses matando a franceses. Así de jodido está el cubo de rubik, así están los autos de su choque de civilizaciones, señor Huntington. Al César lo que es del César y a Alá lo que es de Alá.

QUITO Marcha das Vadias

O jornaleiro

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por Marcela Belchior

Ao reapropriar-se e subverter o estigma da palavra “puta”, historicamente termo ofensivo e condenatório, em um significado de liberdade e autonomia, a versão equatoriana da Marcha de las Putas (equivalente à Marcha das Vadias, no Brasil) convida todos os gêneros sexuais a romper com uma estética binária e patriarcal, que divide o mundo em “mulheres femininas” e “homens masculinos”, dando lugar a expressões múltiplas da sexualidade e superando um controle de gênero.

“Marcha de las Putas” é uma expressão contemporânea do feminismo, que faz particular apropriação do espaço público através de uma denúncia visível, da insubmissão estética, da celebração de todas as possibilidades de expressão. Além disso, propõe a erradicação da desigualdade e da violência de gênero, afirma os direitos sexuais e reprodutivos e os direitos das prostitutas. “Somos nós quem julgamos a nós mesmas”, diz o manifesto da Marcha.

O encontro pelas ruas da capital é…

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A DELICADEZA DOS DIAS

por Eliane Brum

Brutalizados pelo mundo que criamos, somos reduzidos a consumidores de acontecimentos presos no pesadelo da repetição

Farhad Foroutanian indivualidade robô

 

“Mãe, sabia que, quando a gente cresce, pode voltar a brincar com os brinquedos de criança?”, anunciou minha afilhada Catarina, três anos e oito meses. E seguiu, em sua primeira declaração de Ano-Novo. “A gente precisa dos brinquedos pra ir na faculdade. Eu vou ser escrevista.” Escrevista?, pontuou a mãe, interrogativa. “Escrevista, mãe. Aquela pessoa que escreve pra ler.”

Catarina é assim. Cercada de princesas, porque ela também é uma princesista praticante, ela às vezes silencia os adultos ao redor, arrancando-nos da repetição neurótica dos dias. É visível que sente compaixão por nós, a ponto de, neste Natal, ter fingido acreditar no Papai Noel para não nos decepcionar. Fizemos coisas ridículas, na falta de chaminés o Papai Noel teria descido por uma janela pela qual não passaria um duende com anorexia, e ela deixou passar. Mas, juro, seus olhos eram tão céticos quanto os de Humphrey Bogart em Casablanca.

Dias antes ela já havia simulado crer numa carta que o velho teria lhe escrito de próprio punho, na qual, por uma incrível coincidência, lhe dava conselhos iguaizinhos aos que a mãe lhe dá todo dia. Catarina mal continha o riso quando lhe perguntei sobre a carta. Mas fingiu acreditar, por amor. Mentiras sinceras já lhe interessam.

 

É preciso desacontecer para alcançar a delicadeza dos dias

Passou a virada do ano vestida de Alice, a do País das Maravilhas. Percebo que, para ela, somos todos o coelho branco. “Ai, ai, meu Deus, alô, adeus, é tarde, tarde é tarde. Não, não, não, eu tenho pressa, pressa….” De tanto nos observar, percebeu que precisamos muito de nossos brinquedos na vida adulta. E nos autorizou. Por isso nos mandou brincar.

Há quem se engane e pense que as crianças falam “errado” por não conhecerem ainda as palavras “certas”. Não. Elas chegam às palavras exatas e depois nós as encaixotamos com a uniformidade do dicionário, “corrigindo-as”. Alguém pode se confundir e achar que Catarina queria dizer “escritora” e não “escrevista”, como disse. Nada. Escrevista era a palavra exata. Aquela pessoa que escreve não para ser lida, mas para ler, como Catarina mesmo esclareceu. Ler a si mesma. Uma vista de si.

E Catarina já é uma escrevista. O que pode ocorrer é que, na faculdade, talvez ela deixe de ser. Mas apenas se esquecer de levar seus brinquedos. Espero estar viva para lembrá-la.

Catarina já se conta, passa os dias se contando, em longas narrativas. Ela sabe o que Fernandes, o personagem do filme indiano “Lunchbox”, de Ritesh Batra, descobriu quando já começava a envelhecer: “Acho que esquecemos das coisas se não tivermos a quem contá-las”. Um dia, por engano, Fernandes recebeu no seu escritório uma marmita que não era para ele, mas era para ele: “O trem errado às vezes leva ao destino certo”. A partir desse desacerto tão acertado, iniciou-se uma correspondência entre a mulher que cozinha e o homem que come. Fernandes, que se limitava a repetir os dias, passou a enxergar os dias quando começou a escrever para ela. A cor, o cheiro, o sabor da comida onde ela escondia as palavras despertaram seus sentidos, até então embrutecidos pela repetição. Ele era um contador – um contador de números que não contava os sentimentos. Nem contava, não era importante, para ninguém. Ao se contar, finalmente contou, em mais de um sentido. Contou para ela, contou para si mesmo.

Há um momento nesse filme tão bonito em que Fernandes pela primeira vez se detém para observar os quadros de um pintor de rua pelo qual passa todo dia sem parar. O pintor pinta sempre a mesma paisagem. Mas, se olhar bem de perto, Fernandes descobre, não é a mesma paisagem. Como o dia dele, que só parece ser o mesmo. Ou só é o mesmo se ele não for capaz de enxergar a delicadeza, as infinitas pequenas mudanças, a eterna novidade do mundo de que falava Fernando Pessoa, aquele que precisou de pelo menos três heterônimos para dar conta de si.

De repente, Fernandes descobre-se numa das telas. Sem o véu enganador da rotina, que até então o cobria, consegue se reconhecer na paisagem. Ele agora é um homem que está. Decide pegar um riquixá para revisitar as paisagens da sua vida, ver os lugares que via sem ver, agora vendo. Ao final desse percurso, ele é outro. Um outro que, agora descoberto, terá de se descobrir novamente em cada dia seguinte.

 

Os robôs já existem, é preciso reinventar os humanos

Foi o Papai Noel da Catarina quem me deu esse filme no Natal. E eu acreditei nesse Papai Noel. Ou fingi acreditar, por compaixão de mim. Me lembrou de um outro filme, mais antigo, “Cortina de Fumaça”, dirigido por Wayne Wang e Paul Auster. Nele, Auggie Wren, dono de uma tabacaria, há anos tira todo dia, às oito da manhã, uma fotografia da mesma esquina do Brooklin, em Nova York. Ele mostra esse álbum com 4 mil fotografias a um de seus fregueses, Paul Benjamin, que depois de virar algumas páginas diz: “São todas iguais”. Auggie responde: “Sim, 4 mil dias comuns”. Paul ainda está confuso, um pouco condescendente. Ele é um escritor de romances diante do dono de uma tabacaria: “Acho que ainda não entendi direito…”. Auggie tenta lhe explicar: “É a minha esquina, nessa pequena parte do mundo também acontecem coisas”. E vai colocando mais um álbum diante de Paul, que folheia entediado e cada vez mais rapidamente. Auggie adverte: “Você não vai entender se não folhear mais devagar, amigo”.

Ele sabe que, se olhar bem, Paul vai reconhecer a esquina. O homem diante dele é um escritor, mas Auggie, como Catarina, é um escrevista. Então, Paul finalmente descobre. Ele vê Ellen, a mulher que amou e que morreu, numa das fotos. Ela está lá, na mesma esquina que agora já não poderia ser a mesma. Ao ver a foto, Paul reencontra a si mesmo num outro tempo, porque, quando perdemos alguém que amamos, nosso luto também se dá por aquele que éramos com aquela pessoa. E que, sem ela, já não podemos ser. Um luto pelo outro é sempre também um luto de si. E lá ficou Paul, em lágrimas, diante da esquina que finalmente enxergou, com saudades dela e dele com ela. O álbum, agora, já não tinha a mesma foto repetida centenas de vezes, mas centenas de fotos de esquinas diferentes.

Temos vivido nesse mundo de acontecimentos, de espasmo em espasmo. Estamos intoxicados por acontecimentos, entupidos de imagens. Há sempre algo acontecendo com muitos pontos de exclamação – ou fingindo acontecer para que de fato nada aconteça. E há a nossa reação nas redes sociais – às vezes uma ilusão de ação. E nas viradas de ano há ainda as resoluções, que também pressupõem uma ação.

 

Um pai esquece o filho no carro por estar preso no pesadelo de viver sempre o mesmo dia

Mas o que é preciso para, de fato, se mover? Penso que, para que exista uma mudança real de posição e de lugar, é preciso perceber o pequeno, o quase invisível de nossa realidade externa e interna. É pelos detalhes que enxergamos a trama maior, é na soma das sutilezas que a vida se desenrola, são as subjetividades que determinam um destino. É preciso desacontecer um pouco para ser capaz de alcançar a delicadeza dos dias.

Nesse tempo em que ninguém tem tempo para ter tempo, a delicadeza de uma vida parece ter sido relegada à ficção. É no cinema e na literatura que nos enternecemos e derrubamos nossas lágrimas ao testemunhar as sutilezas que esquecemos de enxergar ou não somos capazes de enxergar nos nossos dias de autômatos. Os personagens da ficção têm mais carne que nós, precisamos deles para nos lembrar de quem somos. Os robôs já estão aí, temos agora de reinventar os humanos.

O exemplo extremo talvez seja o dos pais que se esquecem dos filhos trancados no carro, bebês que acabam morrendo por asfixia ou por insolação no banco de trás. Já foi dito que esse fenômeno seria uma marca do autocentrismo ou do narcisismo que assinalaria a paternidade desse momento histórico. O filho como uma desimportância, um atrapalho, no máximo um troféu da potência do pai. Minha hipótese é outra.

Acho que esses pais estão automatizados, como estamos todos. Tão incapazes de enxergar as diferenças de dias que parecem iguais, que acabam deixando de ver algo tão grande quanto a presença de um bebê no banco de trás. Não é que se esqueçam dos filhos, porque para esquecer, assim como para lembrar, é preciso estar presente. Presos no pesadelo de estarem vivendo sempre o mesmo dia, esses pais estão ausentes de si, numa espécie de transe mortífero. São despertados para a vida pela morte do filho.

O título do comovente filme do brasileiro Caetano Gotardo é expressivo: “O que se move”. Ele contas três histórias baseadas em notícias de jornais. Numa delas, alcançamos os detalhes e os acasos de um pai que, no primeiro dia de férias da mãe, carrega o filho no banco de trás do carro. Com o balanço, o bebê acaba dormindo, e o pai o “esquece”. Ele passa a manhã no trabalho sentindo-se perturbado, doente, mas não consegue identificar o que está errado. É de novo no cinema, muito mais do que nas notícias, que conseguimos enxergar esses pais na delicadeza monstruosa da tragédia.

 

O selfie é a imagem da nossa ausência

Em algum momento esquecemos do que sabe Catarina, paramos de nos contar. Alguém pode argumentar que nunca tantos falaram sobre si e se registraram em selfies em todas as situações. Mas o que o selfie conta? Penso que há algo no selfie para além da crítica que em geral lhe fazem, a de ser um mero registro do autocentrismo ou do narcisismo dessa época. O mesmo vale para muitos Tweets e posts no Facebook. Há qualquer coisa de pungente no selfie, uma expressão de nosso desespero por tentar provar que existimos, já que não conseguimos nos sentir existindo. Melhor ainda se for um autorregistro com alguém famoso, detentor de um certificado de existência validado pela mídia, que então seria estendido ao seu autor. Nesse sentido, o selfie não me exaspera, mas me emociona. Cada selfie é também a imagem de nossa ausência.

O contar de que fala Catarina, a escrevista, é outro. É por esse contar que sugiro que façamos não uma lista de resoluções de Ano-Novo, mas uma lista de delicadezas que estiveram presentes em 2014, mas que não vimos e não reconhecemos por termos nos tornado seres condenados à repetição.

Esse mundo que criamos nos brutaliza de tantas formas ao nos reduzir a consumidores, e também a consumidores de acontecimentos. Diante da brutalidade das horas, a delicadeza é um ato de insubordinação e um ato de resistência. Em 2015, desejo a todos um reencontro com a delicada trama dos dias. E, não esqueçam, levem seus brinquedos.

Transcrito El País / Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum