O Brasil está naquela de Rio de Janeiro capital do Rock. A musica brasileira, desde 1964, vem sofrendo uma degeneração, que se consolidou com o Rock Rio.
Uma completa estrangeirização cultural. Talvez chegue aqui a onda do Kizomba, e com ela a volta do samba.
Lisboa, capital da Kizomba
Dos subúrbios de Lisboa para o mundo, está a acontecer uma revolução musical em Portugal. E ninguém tinha reparado.
A mulher tem saltos altos e pernas compridas, realçadas por umas calças justas e negras. A camisola, clara, tem uma gola larga – denuncia mais a linha de pescoço do que o peito. Tem o cabelo solto, brincos compridos, e a pele húmida do calor da dança. O homem segura-a nos braços, indica-lhe o caminho, mas dá-lhe o protagonismo inteirinho. Um, dois, três, um, dois, três. Toca uma kizomba de ritmo marcado, rostos encostados, segredos ao ouvido. Um, dois, três, um, dois, três. Na pista, a mulher sacode os pés, balança as ancas, roda e roda e roda. É africano o momento, ainda que os dançarinos nunca tenham posto um pé fora da Europa. Anda um calorzinho bom a tomar conta de Lisboa.
A cena aconteceu na última quinta-feira em Lisboa, numa discoteca no Parque das Nações. Mas podia ser em qualquer dia da semana, porque a kizomba tomou definitivamente conta da capital. Há festas constantes, mas é mais do que isso. Ontem à noite, por exemplo, o Meo Arena encheu-se para o Festival Dipanda, com artistas como Yuri da Cunha e Master Jake a marcar o compasso com ritmo de Angola. O cabo-verdiano Nelson Freitas vai tocar na maior sala de concertos do país a 28 deste mês, Anselmo Ralph a 8 de dezembro. Depois do verão mais angolano de sempre – com as canções destes artistas a ouvirem-se em todo o país, tanto nas discotecas das grandes cidades como nos bailes das pequenas aldeias –, o ritmo que se vai ouvir em Portugal nas próximas semanas só pode ser o de africanidade.
No último fim de semana, num bar de Figueira de Castelo Rodrigo, uma banda local tocavacovers para cinquenta pessoas e as únicas músicas que o público pedia para repetir eram Não Me Toca, Jajão ou Bô Tem Mel, êxitos maiores da nova onda de kizomba. «Nos últimos dois anos, as coisas mudaram muito», diz Anselmo Ralph. «O público português da kizomba, que era residual, representa hoje trinta por cento das vendas. Mas não é só isso. Portugal garante prestígio a um artista africano e é um passaporte para o resto da Europa.» Os concertos que o cantor angolano tem feito em Londres, Luxemburgo, França e Suíça são disso exemplo. «Primeiro vinham só emigrantes portugueses, agora vem cada vez mais público local», diz o sétimo cantor mais rico de África, segundo a revista Forbes. «Estou a compor em inglês e em espanhol, para internacionalizar o meu internacionalizar o meu som no próximo ano. Já é tempo de perdermos a vergonha, de mostrarmos a nossa música ao mundo.»
Revistas como a Time Out de Londres e a americana Seattle Magazine têm escrito regularmente sobre a nova onda de kizomba que se ouve nos clubes destas cidades. Os Buraka Som Sistema, apesar de seguirem outro caminho na batida africana, andam há anos a recolher elogios no The New York Times, e Marfox, um DJ de origem santomense que cresceu nos bairros de lata da capital, criou uma batida negra que a Rolling Stone disse ser uma das dez coisas mais quentes que o mundo podia esperar em 2014.
Em Toronto, no Canadá, fazem-se festas de kizomba na rua durante o verão e na Austrália há dois festivais de música e dança dedicados ao ritmo africano – em Sydney e em Melbourne. «A kizomba é a nova salsa. É apenas uma questão de tempo até tomar o lugar que a música e a dança latinas tiveram nos últimos vinte anos», vaticina o cabo-verdiano Nelson Freitas – cuja música I Steel Feel for You esteve em quarto lugar no top australiano. «Mas que Portugal – especialmente Lisboa – é o epicentro desse fenómeno.»
É impossível calcular quantos milhões fatura a kizomba, em Portugal ou no mundo, mas há indicadores preciosos. A canção Bô Tem Mel, de Freitas, esteve 42 semanas seguidas no top 50 de singles portugueses. O álbum A Dor do Cupido, de Anselmo Ralph, chegou ao primeiro lugar no topde vendas – e foi a primeira vez que isso aconteceu com um artista africano. O videoclip de Não Me Toca, de Ralph, vai em mais de 36 milhões de visualizações no YouTube – e a versão satírica que Rui Unas fez da mesma canção, adaptando a letra à crise económica portuguesa, tem mais 2,5 milhões de cliques.
O investimento é cuidado. A produção dos telediscos é grande – e isso explica porque se espalham tão rapidamente nas redes sociais. «Apesar de ainda haver um preconceito intelectual em relação a este tipo de música, tentamos ter o máximo de qualidade no que fazemos», diz Ralph. «Gravamos em bons estúdios, produzimos bons vídeos, damos bons espetáculos. Mesmo que a imprensa não ligue, o público reconhece o esforço e vem atrás.»
José Moura é um dos quatro fundadores da Príncipe Discos, que produz novos artistas dos bairros africanos de Lisboa. «A kizomba não é uma coisa nova, o ritmo lânguido e sensual da música de África está em Portugal pelo menos desde os anos setenta. Crescemos com ela. Mas agora há uma novidade, que é a mistura da batida de sempre com os ritmos da black music.» Nos casos de maior sucesso – como Anselmo Ralph, Nelson Freitas, Yuri da Cunha ou B4 – há uma fusão de kizomba com o R&B de Beyoncé ou o hip hop de Jay-Z. Sons para as grandes massas, sejam em que língua forem. «Desde os anos noventa que fomos inundados com a ideia de glamour da música negra. Mulheres, joias, carros, gangsters bem vestidos. E, aos poucos, tornou-se a aspiração de quem cresceu nesses anos. A kizomba explode agora porque o Portugal dos subúrbios, branco e negro, chegou à idade adulta.» Leia mais. Por Ricardo J. Rodrigues