por Gilberto Prado
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Prefiro seguir quem sabe. Quem tem algo a me ensinar. Por isso, acompanho Abraão Lincoln estimulando-me a “(…) lutar contra todos, se achar que tenho razão”. Obedeço minha consciência e faço o que ela manda.
Com certeza ela me absolverá.
Daí insistir na tragédia envolvendo a publicação francesa “Charlie Hebdo” e religiosos em geral, com destaque para os muçulmanos, moralmente as maiores vítimas do triste episódio.
Enquanto tratarmos a execução de doze integrantes da revista julgados condenados à morte pela “lei do talião” como simples caso de terrorismo e atentado à liberdade de expressão, não chegaremos a lugar nenhum.
Principalmente quando o acontecido está carregado de exemplos a ser observados ou mesmo seguidos.
Apesar de milenar, fundada Antes de Cristo, a “lei do talião” sequer ganhou o direito de ser grafada com letras maiúsculas. Jamais chegou a ter o direito de ser promovida a nome próprio.
Porém seu poder ameaçador supostamente irracional, ditado no foco do fanatismo religioso, está além de tudo quanto for “Vade Mecum”.
É “olho por olho, dente por dente”.
E foi justamente esse tipo de fórum cujas leis são abstratas e, conforme seus mentores, “ditadas por Alá” que a revista “Charlie Hebdo” resolveu desafiar. E de forma indigna utilizando um jornalismo indecente encontrou um espaço nojento para alcançar a popularidade.
Para isso juntou a torpeza à solércia.
Muitos desconhecem a existência de “duas Franças”. Uma delas atraente, carregada de culturas históricas, alegre, ideal para o turismo, até mesmo o sexual, principalmente em Paris, com bairros especializados, como Pigalle.
Também a França hilária, onde visitantes – alguns “novos ricos” ou “metidos a ricos” – chegam com um único objetivo de tirar três fotografias.
Uma na Tour Eiffel, mesmo sem saber pra que fizeram aquele “troço tão alto”. Outra no Arco do Triunfo, acreditando tratar-de “de um enfeite” e, finalmente no Museu do Louvre, ao lado do quadro de “uma mulher um tanto sem graça” chamada “Gionunseiquê”.
A outra França, por sua vez, fora do cartão-postal e maioria absoluta, é preconceituosa, carregada de ódio. Sempre pronta a descarregar esse sentimento não para os lucrativos visitantes, mas aos estrangeiros que procuram espaço de sobrevivência no país. Entre os quais “incômodos” latinos do outro lado do Atlântico (brasileiros inclusos) e muçulmanos.
Esses últimos, assim denominados por serem seguidores do Islamismo, são os mais perseguidos, a partir dos nascidos – ou descentes – na Argélia, pais da África do Norte pertencente à França até 1962. Seus habitantes, vindos ao mundo antes da independência, são oficialmente franceses.
O “francês real”, termo preconceituoso oriundo do “galicismo” – também “idiotismo” – para separar o patriota cujas “raízes genealógicas” são francesas, não admite essa realidade. Abomina essa minoria “invasora”.
Uma minoria, é verdade, mas juntando-se aos muçulmanos vindos de outros países, formam uma “grande minoria” de seis milhões de almas.
São perseguidos, vítimas da “islamisfobia”. Seus rituais religiosos incomodam. Pesquisas, inclusive da conceituada Universidade de Stanford, indicam a dificuldade de empregos. Sobrevivem quase sempre da solidariedade.
Mas são temidos.
Os franceses “puro sangue” não os enfrentam de forma direta. Deliciam-se como lenitivo em vê-los ridicularizados principalmente pela forma exótica de encarar o mundo.
E é aí que entra a revista “Charlie Hebdo”. Aproveita-se de um “mercado espúrio” para ganhar popularidade. Em expediente canalha fez dos preconceitos social, étnico e religioso uma forma arrivista de sucesso. De alcançar a notoriedade. Cometeu, no entanto, um erro gravíssimo.
Mexeu com tudo quanto é sagrado. Com a crença alheia, ignorando as consequências.
Divertiu franceses intolerantes com ignóbeis charges. Não pouparam sequer os cristãos.
Ridicularizaram a imagem de Deus, colocando de forma grotesca a dúvida sobre a criação do homem; desenharam uma mulher, supostamente a virgem Maria, parindo o “menino Jesus”; um coito anal entre as três pessoas da Santíssima Trindade, “Pai, Filho e Espírito Santo”.
Com relação aos islâmicos, desenharam a figura de Maomé dando um beijo homossexual; a caricatura de um Maomé ameaçador, prometendo “12 chibatadas em quem não “morresse de rir”; publicaram o profeta em situação embaraçosa; nu.
Essa última publicação gerou sérios problemas diplomáticos, principalmente porque o Islã considera blasfêmia qualquer insulto ao seu idealizador. Daí, a resposta insolente do “finado” Stéphanne Charbonnie, executado na redação por ele transformada em “quartel general”:
“Maomé não é sagrado para mim. Eu vivo pela lei francesa e não sob a lei do Corão”.
Em seguida publicou uma charge de um judeu ortodoxo sendo fuzilado, com as balas perfurando o livro do Corão, com a seguinte legenda: “O Corão é uma merda”!
Queria o quê?
Mentem os desvairados comunicadores brasileiros quando associam a ação justiceira diferente à decantada Liberdade de Expressão. Essa liberdade não foi ferida. Mas é bom lembrar que ela tem limites. Encerra-se diante de outras “liberdades”. Entre elas a de opção religiosa.
Quem duvidar que enfrente as conseqüências, como foi o caso da “Charlie Hebdo” que a trocou pela licenciosidade. O jargão centenário dizendo que “quando se encerra a força do direito entra o direito da força”, prevaleceu.
A “lei do talião” mandou para o “outro mundo” quem não se comportou com a necessária dignidade quando entre nós.
Venceu o direito da força.