
Cristian Topan
por Thales Leonardo de Carvalho
Resumo
A denominada “onda rosa” surgiu na América do Sul em 1998, e trouxe um momento de ênfase nas políticas sociais na América do Sul. Seu destino, no entanto, é incerto, e depende dos rumos tomados pelos países sul-americanos. Assim, será feito aqui um estudo de caso de Argentina, Brasil, Paraguai e Venezuela, observando-se as probabilidades de continuidade dos atuais governos, e os rumos que a liderança de tais países deve tomar, pensando-se em um possível fim da chamada “onda rosa”.
Introdução
Desde 1998, a América do Sul atravessa um momento particular de sua história. Com o surgimento da denominada “onda rosa”, as políticas sociais ganharam destaque em uma agenda até então dominada pelo neoliberalismo e sob forte influência dos Estados Unidos. Os avanços sociais são nítidos, bem como a queda da interferência estadunidense na região, e a maior integração regional, junto ao reforço de suas organizações, como o Mercado Comum do Sul (Mercosul). As organizações, neste contexto, foram também influenciadas pela nova agenda trazida pelos governantes de esquerda na região.
Nos próximos anos, no entanto, três países sul-americanos passarão por eleições, Brasil e Uruguai, em 2014 e Argentina em 2015. Venezuela e Paraguai elegeram novos presidentes em 2013. O destino da denominada “onda rosa” e da continuidade das atuais propostas de bem-estar social no continente sul-americano e nas organizações regionais está diretamente ligado ao perfil dos governantes de cada um de seus países. Assim, o objetivo do presente artigo é analisar as eleições em cada um dos países observados, discutindo sobre a relação entre os resultados destas e a possibilidade do fim da “onda rosa”.
A “Onda Rosa” e a ênfase nas políticas sociais
Antes de se entender o possível destino do referido processo, deve-se entender no que ele consiste. A “onda rosa” consiste basicamente na ascensão, relativamente sincronizada, de diversos presidentes considerados de esquerda, por vias democráticas na maioria dos países da América Latina (SILVA, 2010). O processo deriva principalmente do fato de a esquerda latino americana ter alterado algumas de suas estratégias de tomada de poder. Os partidários da esquerda dividiram-se, assim, em dois grupos principais: a esquerda renovadora, mais moderada e adaptada ao jogo democrático; e a refundadora, mais radical (SILVA, 2010).
Junto a isso, surge também um novo regionalismo pós-liberal. Com as crises no Brasil, em 1999, e na Argentina em 2001, o modelo neoliberal, baseado no Consenso de Washington, foi rompido (GRATIUS, 2012). Junto a esses novos governantes que surgiam com a “onda rosa”, emergiu também um novo regionalismo, onde o Estado deixaria de se omitir e passaria a ser um agente do desenvolvimento (GRATIUS, 2012). O Consenso de Washington, formal, foi substituído por um conjunto informal de práticas seguidas pelos governos de esquerda (principalmente os renovadores), o chamado Consenso de Brasília[i]. Embora não chegue a ser um contraponto ao “receituário” de Washington, por apostarem ainda na estabilidade econômica (e fiscal) e no câmbio flutuante, o novo modelo prega a inclusão social, os programas de transferência condicional de renda, a valorização do salário mínimo, a reindustrialização (levando-se em conta as perdas competitivas com o neoliberalismo), o nacionalismo na exploração de recursos naturais e a ampliação do papel do Estado na economia (MELLO, 2011).
Um elemento definidor dos novos governos, nesse contexto, é a ênfase em políticas sociais, normalmente amplas e generosas (LIMA, 2008). Consideram-se aqui como sociais as políticas que visam “o atendimento às necessidades básicas da população, seja através de garantias e ações concernentes à assistência social, saúde, educação e etc.” (MACHADO; KYOSEN, 2000). A influência sofrida pelas instituições neste contexto é notável, com o surgimento de novas, como a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) e a União de Nações do Sul (UNASUL), que mesmo tendo objetivos diferentes, surgiram de um mesmo contexto. Dentro das organizações existentes percebem-se novos arranjos institucionais, como a criação do Instituto Social Mercosul, em 2005 (RIGGIROZZI, 2012). Assim, uma mudança nos governos locais, com uma possível saída da esquerda, poderia trazer reflexos à nova agenda social, podendo levar ao fim da chamada “onda rosa”.
O cenário eleitoral dos países observados
Sabendo-se do que se trata a “onda rosa”, será feita agora uma análise sobre o cenário eleitoral de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, e o possível futuro do governo dos mesmos. Para isso, se levará em conta a aprovação dos atuais presidentes e, caso haja, as pesquisas eleitorais de cada país.
Argentina
Em 2013, a Argentina passou por eleições legislativas, que objetivavam a renovação de metade da Câmara dos Deputados, um terço do senado e eleger vereadores em 10 províncias de seu território. A oposição ganhou força nesse contexto, vencendo as eleições em províncias eleitorais importantes, como Buenos Aires (que representa 38% do eleitorado argentino). Assim, o patrimônio eleitoral de Cristina Kirchner, eleita com 54% dos votos em 2011, estaria sendo reduzido a um valor entre 20 a 28% dos votos, segundo estimativa de analistas argentinos. O governo, no entanto, ainda é majoritário no poder legislativo (KIRCHNERISMO SOFRE REVÉS…, 2013).
Em relação às eleições presidenciais, o país passará por um novo processo em 2015. A atual presidente possui 48,4% de aprovação (dados do dia 17 de novembro de 2013) (CRISTINA KIRCHNER VOLTA…, 2013). Juntando-se tal fato ao reflexo das eleições legislativas e às opiniões de analistas argentinos, observa-se que o atual governo, provavelmente, não será reeleito. Tal fato deverá por fim ao kirchnerismo, um híbrido entre um governo de esquerda e direita, extremamente centralizado nas mãos da presidente. O mais cotado, no momento, a ser o próximo presidente argentino é o peronista de direita Sérgio Massa, ex-membro do governo Kirchner e atual opositor da presidente. O resultado pode ser uma mudança nos rumos do governo argentino, a começar por uma menor intervenção estatal em todos os setores ou atividades (FIM DA ERA…, 2013).
Brasil
O Brasil, país que ocupa uma posição de liderança dentro do Mercosul, realizará eleições presidenciais em 2014. A atual presidente Dilma Rouseff, provável candidata à reeleição no próximo ano, enfrentou problemas em meados de 2013, durante a Copa das Confederações. Em meio a manifestações populares por diversas partes do país, o nível de aprovação da presidente chegou a 26% em julho, em pesquisa realizada pelo Ibope. A pré-candidata, no entanto, vem se recuperando, e já possuía 54% de aprovação popular, em pesquisa da CNI/Ibope. Em pesquisa realizada pelo Ibope em novembro, nota-se que 39% dos entrevistados consideram o governo bom ou ótimo e 36% regular (DILMA COMEÇA A…, 2013; GOVERNO DILMA TEM…, 2013).
Junto a isso, de acordo com pesquisa do instituto MDA divulgada em novembro, a atual presidente possui hoje 43,5% das intenções de voto; o senador Aécio Neves ocupa o segundo lugar com 19,3% e o atual governador de Pernambuco, Eduardo Campos, com 9,5% (PESQUISA MDA APONTA…, 2013). Observa-se aqui, como cenário mais provável, a manutenção de Dilma Rousseff como presidente e, consequentemente, a permanência de sua politica e sua agenda social. Caso haja a vitória de Aécio Neves, a tendência sera de mudanças, tendo em vista que seu próprio partido (o Partido Social-Democrata Brasileiro) apresenta restrições à politica do governo Dilma na América do Sul. Se Eduardo Campos fosse o vencedor, os rumos seriam incertos. Considera-se aqui, então, que o Brasil tenderá a manter os atuais rumos e agendas.
Paraguai
O Paraguai, que passou por crise política culminando na deposição do ex-presidente Fernando Lugo, da Frente Guasú, partido da esquerda paraguaia, elegeu em abril um novo presidente: Horácio Cartes, do Partido Colorado, da direita local. O megaempresário (Cartes é dono de um conglomerado de 25 empresas) e agora presidente paraguaio promete atuar no combate à pobreza e seguir o exemplo brasileiro, com o bolsa-família e ações do gênero. Assume, junto a isso, uma postura de reconciliação com o Mercosul, tendo em vista que o Paraguai encontra-se suspenso do bloco desde junho de 2012, em função do impeachment do ex-presidente Lugo. No entanto, Cartes possui tendências de direita e, somando-se isso ao histórico de seu partido, torna-se provável uma mudança no pensamento paraguaio, que pode passar a não conferir mais demasiada importância à agenda social hoje marcante na América do Sul (HORACIO CARTES INDICA, 2013; MEGAEMPRESÁRIO HORACIO CARTES…, 2013; HORACIO CARTES É…, 2013).
Uruguai
No caso Uruguaio, o atual presidente José Mujica, da Frente Amplio, possui 61% de aprovação entre a população (EL 61% DE… 2013), número que pode ser considerado alto. Além disso, seu partido ocupa 42% das intenções de voto no país, sendo o atual líder das pesquisas, seguido do Partido Nacional, de centro-direita, com 25% dos votos. Assim, por mais que “Pepe” Mujica não concorra às eleições uruguaias de 2014, o futuro candidato da Frente Amplio (a senadora Constanza Moreira e o ex-presidente Tabaré Vazquez são pré-candidatos do partido) possui grandes chances de obter a vitória (URUGUAY: A UN, 2013; URUGUAY- LA MAYORIA…, 2013). Conclui-se, em relação ao Uruguai, que a tendência é que não haja mudanças relevantes na política interna e externa uruguaia, mantendo-o com uma agenda social de destaque.
Venezuela
Após a morte do líder Hugo Chávez, Nicolás Maduro foi eleito presidente em abril de 2013, com diferença de 1,5% em relação ao segundo colocado. Maduro é visto como o sucessor de Chávez, para continuar as políticas até então implantadas pelo líder falecido. Além disso, o novo presidente ganha cada vez mais poderes para governar, concedidos pelo parlamento local. Desta forma, o mais novo membro do Mercosul deve manter a ênfase nas políticas sociais e na cooperação baseada na agenda social, não havendo grandes mudanças nos rumos da política interna e externa venezuelana (CONGRESSO DA VENEZUELA…, 2013; MADURO DIZ QUE…, 2013).
Considerações finais
O que se percebe, ao se observar os países tomados como estudo de caso, é uma posição de divisão. Enquanto Venezuela, Brasil e Uruguai tendem à continuidade, o Paraguai já possui um presidente de direita, e a Argentina tende a ter um governante de direita nos próximos anos. Tendo em vista tal fato, e o peso político que o Brasil possui na região, o cenário provável é de relativa continuidade do que se vê hoje, mantendo a grande relevância da agenda social. Podem, no entanto, haver mudanças, com a ascensão de governos considerados de direita no Paraguai e na Argentina, mas a base da agenda deve permanecer a mesma.
As opiniões a respeito do futuro da “onda rosa” e da ênfase em políticas sociais tendem a se dividir com as eleições que estão por vir nos países sul-americanos. O mais provável, no entanto, é a continuidade do que se vê hoje por, no mínimo, mais quatro anos, tendo em vista os atuais e prováveis futuros governos. Publicado em dezembro 20, 2013. Puc Minas Conjuntura
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[i] O Consenso de Brasília não segue uma convenção institucionalizada, um documento assinado, como o Consenso de Washington; é simplesmente um conjunto de práticas comuns a alguns países sul-americanos. Não há ainda uma “receita” única, apenas determinados pontos de convergência entre as políticas locais, podendo os modelos oscilarem entre o Consenso de Washington e o bolivarianismo, por exemplo (MELLO, 2011).