Terceirização, “avassalador aniquilamento de direitos dos personagens antes considerados humanos trabalhadores”

O risco de a Constituição de 1988 não valer para os trabalhadores

por Grijalbo Fernandes Coutinho (*)

 

Pelicano

Pelicano

Tem sido enorme a pressão empresarial para o Estado autorizar a terceirização generalizada em todas as atividades econômicas. Não raro, até mesmo integrantes dos poderes proclamam que o tema deve ser objeto de rápida decisão porque assim esperam os agentes econômicos. Passam a enganosa impressão, com as suas falas oficiais, que a medida é necessária para proteger os empregados.

Ora, a terceirização encontra-se interpretada ou regulamentada desde 1993, ao menos sob a configuração jurídica que agora se pretende alterar no âmbito do Parlamento e STF, com reduzidas modificações ao longo dos anos no conteúdo da Súmula nº 331, do TST. Com a celeridade almejada busca-se evitar a ampliação do debate público na sociedade brasileira sobre os efeitos da terceirização para o conjunto das relações de trabalho. Quanto menor for a mobilização popular, maiores serão as chances da aprovação do trabalho terceirizado sem estardalhaço sindical e operário.

Inegavelmente, o trabalho e todas as suas instituições protetivas padecerão, na hipótese de a terceirização ser liberada de forma generalizada.

O PL 4.330/04, previsto para ser votado nos próximos dias, autoriza a terceirização sem freios, em contraposição aos limites impostos pela interpretação contida na Súmula nº 331 do TST, que hoje a admite apenas na atividade-meio. A referida iniciativa parlamentar apoiada por representações empresariais tem, como princípio nuclear, a liberação da terceirização na atividade-fim, acompanhada da responsabilidade subsidiária das empresas tomadoras. Os demais dispositivos da proposta expressam apenas o desejo de escamotear a essência do duro golpe desferido contra o Direito do Trabalho. São disposições aparentemente protetoras da execução do contrato de prestação de serviços firmado entre empresas, responsáveis, contudo, pela legitimação do fenômeno em sua vertente mais predatória, de modo que não apenas sejam intensificadas as condições de trabalho degradantes hoje oferecidas aos trabalhadores terceirizados, como também reste viabilizada a extensão das perversas condições ao grande grupo obreiro que irá fatalmente compor o rol dos terceirizados, aumentando, portanto, os níveis de proletariedade social.

A lógica do tudo terceirizável, no âmbito das relações de trabalho, legitimará o funcionamento das grandes empresas e dos conglomerados econômicos praticamente sem empregados formais em seus respectivos quadros de pessoal. O modelo, com certeza, não interessa aos trabalhadores, que passam a negociar exclusivamente com intermediários os quais atuam como mera correia de transmissão do sistema, do ponto de vista mais geral.

Diferentemente do discurso dominante, sem qualquer hesitação, a proposta em debate legitima o modo de gestão patronal terceirizante em sua vertente mais perversa contra os trabalhadores. Não poderia ser pior, tanto para a classe trabalhadora, quanto para a sociedade brasileira comprometida com a Justiça Social.

Tanto é assim que temas básicos capazes de, em tese, minimizar os efeitos danosos de ação inexoravelmente redutora de direitos sociais sequer são cogitados na discussão legislativa, tais como, restrição do trabalho subcontratado às atividades de natureza transitória, responsabilidade solidária de todas as empresas integrantes do processo produtivo, isonomia absoluta entre trabalhadores centrais e terceirizados e enquadramento sindical obreiro com base na atividade da tomadora de serviços.

As condições laborais, a partir de eventual terceirização generalizada, serão muito mais degradantes, tudo em nome da competividade e do consequente aumento das taxas de lucro. A terceirização existe não para modernizar o processo produtivo senão para arrancar até o limite extremo o potencial criativo, combativo e gerador de riquezas da força de trabalho, que passará a ser remunerada nos níveis mais baixos possíveis no âmago dessa nova marchandage comercializada midiaticamente como solução para o mundo do trabalho infernal criado pelo próprio modo de intermediação e subcontratação de mão de obra, a ser inexoravelmente aprofundado, caso vingue o sonho de consumo atual das forças hegemônicas da economia.

Em vez de banir o mal maior das relações de trabalho, persegue-se, concretamente, transformá-lo na regra geral, pouco importando o destino das pessoas que sofrem intensamente com o impacto da terceirização em variadas dimensões de suas vidas, bem como de outros milhões de serem humanos trabalhadores que também pegarão brevemente a fila do corredor da morte, opressão, humilhação, do decepamento de partes do corpo, das doenças laborais e da precariedade absoluta do ambiente de trabalho permeado por contundente intolerância social com os sujeitos construtores da riqueza nacional.

Junto ao STF, as entidades empresariais desenvolvem duas teses centrais para alcançar a escancarada terceirização, quais sejam, liberdade de contratação e ausência de lei vedando o trabalho subcontratado na atividade fim (art. 5º, II, da CRFB, “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”).

Invocar a liberdade de contratação para autorizar a terceirização generalizada ou qualquer outra forma de precarização das condições de trabalho seria extremamente adequado a partir do prisma jurídico vigente durante o auge do liberalismo econômico, nos séculos XVIII e XIX, na Europa. Com base em tal paradigma, crianças foram submetidas ao terror das condições degradantes geradoras de suicídios, acidentes graves e mortes ao lado das máquinas. Mulheres e homens trabalhadores sofreram maus tratos diversos no ambiente laboral como vítimas de crimes praticados em nome do lucro máximo, embora pouco pudessem fazer, do ponto de vista jurídico, porque a liberdade de contratação assegurava aos patrões arrancar-lhes até a última gota de sangue, em contraste com a opulência dos donos das máquinas.

Entre o século XIX e os dias atuais mudou substancialmente o panorama econômico, político e jurídico no mundo inteiro. Eclodiram duas guerras mundiais ocasionadas pelo liberalismo, revoluções sociais foram feitas para assentar no poder a classe trabalhadora e explodiram grandes crises econômicas e financeiras, tudo resultando no reconhecimento público, por parte de um capital envergonhado pela herança deixada, do completo fracasso da veia liberal, em todos os campos do conhecimento humano, nos dois séculos de existência de modelo fincado na absoluta liberdade de contratação.

Em outros termos, o pressuposto da livre contratação morreu juridicamente há quase um século. Nada é mais arcaico ou ultrapassado do que o seu ressurgimento para emprestar fantasmagórico conteúdo jurídico às novas formas de exploração da mão de obra humana, quando a essência do Direito do Trabalho reside exatamente na superação da antiga teoria civilista da liberdade contratual, sobretudo na perspectiva da efetividade de seus princípios orientadores protetivos do hipossuficiente.

Relativamente a outra matriz jurídica invocada, cabe dizer que, caso pudesse a terceirização ser implementada em razão do inciso II do artigo 5º da Constituição, cujo conteúdo próprio das aspirações de uma época histórica tem integrado há muito tempo textos constitucionais anteriores, qual seria o motivo de termos leis cuidando da autorização do trabalho terceirizado em atividades específicas, no Brasil e no mundo?

A terceirização é conduta absolutamente excepcional, estranha e repudiada historicamente pelo Direito do Trabalho. A sua existência jurídica depende, em primeiro lugar, de regulação da matéria pelo Poder Legislativo, sem prejuízo, contudo, do debate posterior acerca de sua compatibilidade ou não com o conjunto harmônico do ordenamento.

Para além e também em respeito às perspectivas jurídico-laborais frontalmente contrárias à subcontratação de trabalhadores, uma vez que o conhecimento jurídico jamais deve ignorar as tragédias sociais causadas por variados fenômenos, pesquisas acadêmicas realizadas nas últimas décadas, bem como a atuação da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho, revelam que a terceirização, por força da sua razão primordial de ser ancorada na drástica redução de custos, está umbilicalmente associada ao caos no ambiente de trabalho. Adoecimentos, graves acidentes com mortes e mutilações, salários baixíssimos, jornadas intensas e extenuantes, trabalho análogo ao de escravo, direitos imateriais intensamente violados, invisibilidade social, esfacelamento sindical e degradação geral das condições de trabalho simbolizam tragicamente o que significa de fato a crueldade da terceirização.

Na hipótese de chancela da terceirização na atividade-fim, o trabalho será tratado como o lixo das relações sociais por parte de quem lucra muito com o seu resultado, dado o desprezo a ser conferido a esse direito humano fundamental próprio da parte numérica mais expressiva da sociedade brasileira, a classe trabalhadora.
Detendo 25% do mercado de trabalho (Dieese, 2011), caso reste autorizada na atividade-fim, a terceirização ocupará espaço muito mais expressivo rapidamente, aumentando, sem dúvida, a tragédia social assim constada a partir de sua prática no Brasil.

Humilhações, mortes, adoecimentos, salários irrisórios, jornadas intensas e extenuantes, desemprego, violação de direitos imateriais, segregação, trabalho precário e degradante, trabalho análogo ao de escravo e outros graves problemas sociais serão intensificados em grau exagerado, a ponto de os integrantes das instituições públicas da regulação e proteção do trabalho, incluindo os auditores-fiscais, procuradores e juízes do trabalho, logo constatarem a sua absoluta inutilidade para fazer valer a justiça social inscrita como compromisso fundamental da Constituição de 1988.

Valorização do trabalho como princípio fundante da República, respeito à dignidade humana do trabalhador, necessidade da existência de ambiente saudável do trabalho, combate a qualquer tipo de trabalho degradante, função social da propriedade, livre iniciativa respeitando o primado do trabalho, entre tantos outros princípios e dispositivos previstos na Constituição Federal de 1988, far-se-ão tão eficazes quanto os direitos humanos civis clássicos durante a ditadura civil-militar de 1964-1985.

Liberada a terceirização na atividade-fim e em todos os setores econômicos, a Constituição de 1988 será de um vazio estrondoso e monumental em termos de Direitos Humanos. O risco é de o texto constitucional não valer para os trabalhadores, porquanto os direitos sociais ali previstos terão nenhuma efetividade.

O Estado Democrático de Direito perderá completamente o seu cunho social e a sua face cidadã em relação à classe trabalhadora. Nascerá, em contrapartida, o Estado Democrático de Direito do Capital, cujo seu primeiro direito fundamental consagrará a terceirização sem limites como mecanismo de avassalador aniquilamento de direitos dos personagens antes considerados humanos trabalhadores.

 

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(*) Juiz do trabalho e professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Relação de emprego e direito do trabalho (2007) e O direito do trabalho como instrumento de justiça social (2000), pela LTr, e de um dos artigos da coletânea Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (Boitempo, 2013). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente às segundas.

 

 

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Grecia cambia ¿Europa cambia?

Más que frente a la derecha, la irupción de Siriza cuestiona el recorrido final de una socialdemocracia europea que perdió su identidad cuando asumió como propio el ajuste interno y la obediencia frente a la hegemonía alemana.

 

grecia escultura

por Federico Vázquez

 

La victoria de Syriza en Grecia podría significar el comienzo de un nuevo ciclo político en el continente. Más que frente a la derecha, esta irrupción cuestiona el recorrido final de una socialdemocracia europea que perdió su identidad cuando asumió como propio el ajuste interno y la obediencia frente a la hegemonía alemana.

Grecia es un país relativamente pequeño. Tiene menos de 11 millones de habitantes y apenas representa el 2% del PBI de la zona euro, de la cual, al menos por ahora, sigue siendo parte.

Visto desde esa perspectiva, el cambio político en Grecia, con el triunfo de Syriza (sigla que significa “Coalición de Izquierda Radical”) podría no ser más que un dato de color que apenas modifica al conjunto de Europa, donde la hegemonía la tienen fuerzas conservadoras o socialdemócratas.

Sin embargo, basta ver el pavor con que fue recibida la noticia en los principales diarios de la derecha española, país donde más se teme que se expanda el efecto contagio de Grecia, para entender que el impacto es muy superior a lo que podría desprenderse de los modestos números de la economía helénica.

El triunfo de la izquierda griega impacta de lleno en el imaginario europeo porque rompe un dique que hasta ahora parecía inmodificable. Ese dique era la creencia de que no existía posibilidad alguna de pensar por fuera del los estrechos marcos del consenso sobre las políticas de “austeridad”, eufemismo para hacer referencia a los ajustes de las políticas públicas que se volvieron la norma en Europa desde la crisis de 2008.

Pero es importante anotar lo siguiente: la identidad de Syriza como un partido de izquierda, no parece ser el punto central para entender lo que pasa, a pesar de la reiteración periodística sobre la ubicación ideológica de los ganadores. El discurso de su líder, Alexis Tsipras, comenzó a ganar adeptos en la medida en que identificó al problema de Grecia con relación a su condición de periferia continental respecto al poder hiperconcetrado que impone Alemania. La denuncia de Syriza se centró en la “troika”, el trípode conformado por el FMI, el Banco Central Europeo y la Comisión Europea, desde donde se dictaminan las políticas de ajuste que deben seguir los países en apuros financieros.

Así como ocurre con Podemos en España, Syriza agolpó al resto de la clase política en un rincón en el momento en que se permitió reinventar el eje del debate: rompiendo las tendencias de las últimas décadas, las cuestiones ambientales, de derechos civiles o la agenda de minorías no son las muletillas de este nuevo progresismo, sino una crítica directa a las secuelas sociales que dejó la larga recesión económica.

Es decir, se volvió a discutir de economía, de números, de cómo gestionar de los recursos públicos, de quién debe pagar los costos de la crisis. Y cuando el foco quedó puesto allí, en un marco de gran descontento social, quedó en evidencia que tanto los conservadores Nueva Democracia, como el histórico partido socialdemócrata PASOK, tenían el mismo libreto.

España y Grecia comparten la irrupción de estos movimientos políticos de ruptura, pero también tienen una historia muy parecida de sus socialdemocracias. Y es en el actual fracaso de esos proyectos políticos donde hay que encontrar las razones del nuevo mapa electoral, antes que en algún súbito despertar populista. Veamos.

Tanto Grecia como España compartieron una tardías transiciones democráticas, a mediados de la década del 70. En 1974 terminó la dictadura de los coroneles, lo que abrió paso a un gobierno conservador de Nueva Democracia. Pero pocos años después, en 1981, por primera vez en la historia, ganó las elecciones un socialista, Andreas Papandreu, líder del PASOK (Movimiento Socialista Panhelénico). El discurso de Papandreu tenía una gran sintonía con el de Felipe González, que en 1982 asumía el gobierno de España. Ambas, como izquierdas “posibilistas” en el marco de la guerra fría, tenían sin embargo un ambicioso programa de reformas, dentro de las cuales estaba, por ejemplo, el debate de si pertenecer o no a la OTAN. En el caso de Grecia, el país ya era miembro desde 1952, pero Papandreu había dicho en campaña que revisaría esa participación. España no era miembro, pero finalmente González llevó la cuestión a un referéndum, donde pidió votar el ingreso, para sorpresa de propios y extraños. En términos económicos, aquellas socialdemocracias planteaban una modernización política y social, y mantenían un programa de intervención estatal de la economía muy fuerte. El cuadro continental se completaba con Francois Mitterrand como primer presidente socialista en Francia, que había ganado proponiendo una estatización parcial de la economía.

Pero más allá de este flujo progresista en algunos países de Europa, el contexto mundial iba en otra dirección: la revolución conservadora de Margaret Tatcher y Ronald Reagan impusieron una dinámica económica distinta, dando por finalizado el ciclo de capitalismo keynesiano en el primer mundo. De a poco, las sociademocracias del sur de Europa se quedaron con el mandato de la modernización social y cultural pero, a cambio, debieron entregar las ambiciones de transformación económica. Unos años después, los vientos de reformas neoliberales llegarían a América latina

La perdurabilidad del ciclo socialdemócrata (14 años en Francia, 16 en España, 23 años en Grecia con una breve interrupción entre 1990 y 1993), aún con la defección de sus programas transgresores originales, se explica en parte por la puesta en marcha del proyecto europeo, cimentado durante los 80 y 90, y concretado simbólicamente cuando el 1 de enero de 2002 el euro reemplazó a las monedas nacionales. El sur periférico parecía alcanzar el status del desarrollo anglosajón.

La socialdemocracia del sur de Europa llegó con energías suficientes como para ser parte del inicio del proyecto de unión continental, pero ya bajo los signos inequívocos del poderío alemán y la hegemonía de los poderes financieros. Si a comienzos de los años 80 la institución puesta en debate por los gobiernos de izquierda había sido la OTAN, hacia el final del ciclo, aquellos partidos habían aceptado mansamente el control de otras instituciones, no menos invasivas: el Banco Central Europeo, la Comisión Europea y las reglas estrictas del Tratado de Maastricht, redactadas acordes a las necesidades de la competitividad de la economía alemana. La crisis de los últimos años expuso de forma descarnada hasta qué punto el proyecto europeo aumentaba la desigualdad histórica entre sus miembros en vez de atenuarla.

Lo fundamental de la victoria de Syriza en Grecia (y un eventual triunfo de Podemos en España antes de fin de año) no es tanto la victoria sobre gobiernos conservadores, por otra parte altamente deslegitimados, sino la recuperación de una tradición progresista que había quedado vaciada de contenido cuando las socialdemocracias de los años 80 hipotecaron la experiencia inicial y se convirtieron mansas ejecutoras de los planes de ajuste y receptoras de las directrices de Europa.

 

Primer ministro francés: “Existe un apartheid territorial, social y étnico en Francia”

El primer ministro francés, Manuel Valls, ha admitido que en Francia se está imponiendo “un ‘apartheid’ territorial, social y étnico” que ha avanzado mucho desde los disturbios callejeros del año 2005. Este ‘apartheid’ adopta la forma de guetos en las periferias urbanas y de “discriminaciones cotidianas porque alguien no tiene un buen apellido, un buen color de piel o porque es mujer“, según cita el diario ‘Le Point’.

En una reunión con la prensa, el político habló de las “tensiones que se incuban en silencio desde hace tiempo, de las cuales solo se habla de vez en cuando”. Entre los factores de la creciente segregación en la sociedad francesa destacó “el miedo colectivo frente al paro masivo y duradero, al paro juvenil, frente a la vida demasiado cara, al riesgo de decadencia” y otras preocupaciones de índole económico-social.