* Documento revela que o HSBC facilitou a abertura de contas sem perguntar a origem do dinheiro de 8,7 mil clientes do Brasil
* Tráfico de dinheiro para um único banco em um mundo repleto de paraísos fiscais
* A regra é não saber de onde o dinheiro vem, a quem pertence ou para que serve
* Fraude fiscal e branqueamento de capitais

GENEBRA – O banco HSBC ajudou a mais de 8,7 mil brasileiros a depositar US$ 7 bilhões em contas secretas na Suíça. Os dados fazem parte de documentos bancários que revelam como a instituição teve um papel ativo em facilitar a abertura de contas, sem perguntar a origem do dinheiro e que, em muitos casos, ajudou a evadir impostos.
No mundo, o banco auxiliou a mais de 100 mil clientes a levar para a Suíça suas fortunas, nem sempre declaradas em seus países. A lista desses clientes é um exemplo de como o sistema bancário do país alpino lucrou ao manter contas de criminosos, traficantes, ditadores e milionários que optaram por não pagar impostos ou pilharam seus países.
No caso do HSBC, o Brasil aparece com destaque na lista, sendo o quarto país com maior número de clientes no ranking das nacionalidades que mais usaram o banco e as contas secretas. No total, foram mais de 6,6 mil contas. Entre as personalidades brasileiras estava Edmond Safra. No mundo, a lista conta com nomes como Fernando Alonso, Emilio Botin, David Bowie, Tina Turner ou o Rei Abdallah, da Jordânia.
A lista incluí desde traficantes de drogas, de armas, ditadores até nomes famosos do mundo da música e do esporte, num total de US$ 100 bilhões. Os documentos são apenas uma parte do que seria o sistema bancário suíço, duramente criticado por autoridades de todo o mundo por permitir a existência de contas secretas e ser uma espécie de “buraco negro” no sistema financeiro internacional.
Os documentos foram colhidos pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo e revelam a frequência pela qual personalidades viajavam para a Genebra para consultar suas contas e administrar suas fortunas.
No caso do Brasil, as contas registradas existem desde os anos 70 e o período avaliado perdura até o ano de 2006.
Pelos documentos, porém, o que se revela é que o crime organizado sul-americano usou as contas do HSBC para lavar dinheiro da droga e não se exclui que parte das contas tinham relações com organizações criminosas.
Os papeis foram obtidos a partir de uma lista roubada dos escritórios do banco em Genebra por um ex-funcionário, Hervé Falciani, em 2008 e entregue para as autoridades francesas. Trechos de uma reportagem de Jamil Chade.

Em reportagem de capa, publicada hoje no Jornal I, Carlos Diogo Santos e Margarida Vaqueiro Lopes informam que as formas de fugir ao fisco são já conhecidas por investigadores e advogados dos grandes casos. A mais comum é a sobrefacturação
O esquema mais comum para pôr dinheiro no exterior sem o declarar ao fisco português é relativamente simples de entender. A grande dificuldade é fazer com que mais tarde o montante possa ser utilizado.
Para muitos a equação que passa por fazer uma facturação fictícia no exterior só foi conhecida com a investigação ao chamado Caso Furacão, mas já há muito que era uma das manobras sugeridas por algumas entidades financeiras.Quem tiver uma empresa portuguesa, em vez de comprar material ou matéria-prima directamente ao fornecedor passa a comprar a um intermediário. Uma empresa estrangeira, detida por uma offshore, que revende o material à sociedade nacional por um preço acima do valor de mercado.
Segundo explicou ao i um dos advogados, que pediu para não ser identificado, esta engenharia “permite aumentar os custos de uma empresa portuguesa e diminuir o IRC”. Por outro lado, adianta o jurista, “são conseguidos dividendos na entidade estrangeira, livres de IRS”.
O suposto lucro conseguido na empresa estrangeira acabava, até há poucos anos, depositado em bancos de países como a Suíça, onde o sigilo bancário era muito apertado. Alguns dos exemplos agora descobertos de clientes portugueses com depósitos na filial suíça do banco britânico HSBC podem ter tido esta origem.
Quem adere a este esquema – e partindo do princípio que não declarou o valor acumulado na empresa estrangeira – está a praticar dois crimes: fraude fiscal e branqueamento de capitais.
A investigação no âmbito da Operação Furacão detectou um esquema destes. Em causa estava a colocação de verbas fora do país por intermédio de bancos e outras instituições financeiras, tendo por base facturação falsa.
Ao i, uma fonte da Polícia Judiciária afirmou que “não há muita margem para inovar no que toca a este tipo de esquemas”. O mais usual é este, sobretudo porque existia até há pouco tempo um grande acompanhamento dos bancos a quem queria colocar dinheiro no estrangeiro: “A máquina estava montada.”
O mais importante é aumentar a complexidade do caminho fazendo com que se perca o rasto ao dinheiro. Outro cenário: se uma empresa portuguesa, por exemplo, detiver uma participação numa empresa sediada num país com legislação menos apertada ou mais fácil de contornar, e receber dividendos que possam ser inscritos no regime fiscal de “participation exemption”, pode deixar o dinheiro referente a esse pagamento no país da empresa onde detém uma participação.
Entende-se por “participation exemption”o regime que prevê que os lucros e reservas distribuídos, bem como as mais e menos-valias realizadas, não concorrem para a determinação do lucro tributável.
Depois só precisa de o fazer circular por territórios onde o controlo seja menos apertado até conseguir fazê-lo chegar a um paraíso fiscal. Aqui o truque é tornar o rasto impossível de seguir até o dinheiro estar seguro num dos paraísos, onde a regra é não saber de onde o dinheiro vem, a quem pertence ou para que serve.
Mas a grande questão é como usufruir em Portugal do dinheiro que foi acumulado no exterior sem ser apanhado. Para ultrapassar esses problemas tem havido empresas – e transportadores de malas mais informais – que se foram especializando nesta área. Dois bons exemplos surgiram no âmbito do Processo Monte Branco: a empresa de gestão de fundos Akoya e Francisco Canas, também conhecido como Zé das Medalhas. O papel de ambos passava não só por levar malas com dinheiro para a Suíça, mas também por trazê–las daquele país com dinheiro que os clientes tinham em contas.
Desde 2008 que as autoridades portuguesas e suíças, bem como as dos restantes países europeus, estão mais atentas a esta circulação de montantes. Uma das hipóteses que livraram muitas pessoas de ficar a contas com a lei foram os Regimes Extraordinários de Regularização Tributária, leia-se amnistias fiscais, através dos quais se trouxeram para Portugal grandes montantes, pagando um imposto pequeno pela regularização.
Alguns dos casos serviram para que quem tinha fortunas fora do país desde 1975 pudesse colocá-las de novo em Portugal. Em muitos dos casos foram já os herdeiros a recorrer a esta regularização extraordinária.
Quem, por exemplo no âmbito do Processo Furacão, foi investigado por crimes de fuga ao fisco ou branqueamento de capitais pôde pedir a suspensão provisória do processo mediante a liquidação do imposto em falta.