Graças ao conluio destas religiões pentecostais, que só servem para encher os bolsos dos pastores, com os grupos mafiomidiáticos estamos retornoando, em ritmo acelerado ao início do século passado

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O fanatismo mafiomidiático empurra o Brasil para trás

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por Gilmar Crestani

Veja o que pode acontecer quando uma concessão pública cai nas mãos de pessoas desonestas. Os meios de comunicação são concessões públicas. No entanto, os donos destas concessões têm usado as concessões públicas para patrocinar golpes de estado, ditaduras e toda sorte de sinecuras. Por não existir uma lei de médios, quem detém a concessão pode sublocar para fundamentalistas de todas as religiões. Ve-se que não se trata de liberdade de expressão, mas dinheiro. Se a Igreja paga, tem espaço. Graças a este sistema mafioso, elementos como Silas Malafaia, Marco Feliciano e Eduardo CUnha passam a ditar os rumos da nossa sociedade. Quando um sujeito que usa o dinheiro público para construir aeroportos particulares nas terras da família ou quando somem do noticiário helicópteros pegos com 450 kg de cocaína como se fosse um assunto banal, é porque estamos diante de um sistema viciado, comandado por viciados, cuja condução é aceita por uma sociedade que mais parece uma manada de bovinos tangidos em direção às charqueadas.

Quando Ali Kamel escreveu “Não somos racistas”, foram poucas as vozes isoladas, geralmente associadas aos movimentos de negros, que se manifestaram. O livro, escrito para combater as cotas raciais, acabou fazendo parte do receituário que hoje leva a menoridade penal. As reações às manifestações medievalistas dos meios de comunicação foram tímidas. Agora que o estrago está por se consumar, a sociedade murmura. Pior, até pessoas pretensamente inteligentes pensam que, em pleno século XXI, as leis devem voltar a serem o que foram 100 anos atrás. A falta de embate político, e este foi o principal erro do PT, está legando uma sociedade fascista.

Graças ao conluio destas religiões pentecostais, que só servem para encher os bolsos dos pastores, com os grupos mafiomidiáticos estamos retornoando, em ritmo acelerado ao início do século passado. Ao contrário dos tempos do JK, estamos regredindo 100 anos em cinco.

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Joaquim Nabuco e os linchamentos no Brasil

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Nabuco não foi ouvido e não falta muito para termos no mercado Cigarros Bolsonaro

Nabuco não foi ouvido e não falta muito para termos no mercado Cigarros Bolsonaro


por Márcio Sotelo Felippe

Joaquim Nabuco começou sua trajetória, ainda quintanista de Direito, defendendo um escravo acusado de matar o policial que o mandara açoitar, e depois um guarda para escapar da prisão. Um negro que matou dois funcionários brancos. Nabuco saiu vitorioso porque evitou a pena de morte.

A corajosa defesa de Nabuco foi construída a partir do seguinte raciocínio: o negro defendera-se de dois crimes anteriores, crimes da ordem jurídica e social do Império: um, a própria escravidão; outro, a pena de morte iminente.

Nesta última semana, em São Luís, um jovem negro, favelado, morreu linchado amarrado a um poste por ter, segundo a notícia, assaltado um bar.

O jornal Extra publicou a notícia com duas ilustrações, incrivelmente idênticas. Uma mostrava um escravo acorrentado a um tronco, submetido a açoites. Outra, o negro de São Luís, morto, cabeça pendendo amarrado a um poste de luz. É como se a foto fosse uma reprodução deliberada da primeira, uma cópia feita por um cineasta ou um fotógrafo. Nas duas cenas, pessoas olham inertes, passivas, curiosas. Profético Nabuco.

Se o jovem negro saísse vivo, sua defesa deveria ser feita com a coragem de Nabuco: ele cometeu um crime que tem a ver com crimes anteriores, os crimes da ordem social e jurídica que degradaram toda sua existência. Porque óbvio que jovens brancos de classe média não roubam botecos. Cometem outros delitos, e quando o fazem não são amarrados a um poste e linchados.

Anos mais tarde, Nabuco, já herói do abolicionismo, era célebre a ponto de ter sua figura estampada em rótulo de cigarro (Cigarros Nabuco). Um dos intelectuais mais extraordinários da história do Brasil, escreveu a frase que explica o linchamento do jovem negro favelado de São Luís e que explica muito do Brasil dos séculos seguintes. Em citação livre: a escravidão havia de tal forma pervertido e contaminado a sociedade brasileira que a moldaria ainda por muito tempo. E que não bastaria libertar escravos, mas reeducar a sociedade.

A abolição foi um ato apenas jurídico e formal. O Brasil então seguiu impávido colosso ignorando o povo negro, como se nada devêssemos a eles, como se não tivéssemos um débito social derivado de um tenebroso passado de séculos de miséria e degradação escravizando seres humanos. O Brasil segue impávido colosso ignorando as gerações seguintes do povo negro, e assim o jovem negro de São Luís era livre segundo a lei. A lei que em sua majestática grandeza dá a todos o direito de jantar no Ritz e dormir embaixo da ponte, como disse Anatole France.

Anatole France disse literariamente o que críticos do Capitalismo desde sempre apontaram: a condição de sujeito de direito do trabalhador que produz a riqueza da sociedade por força de um contrato “livremente” assinado não o liberta. O constrangimento econômico difuso o faz escravo de outra forma. Então, ele é perfeitamente livre para dormir embaixo da ponte ou ir a Paris jantar no Ritz.

A opressão do povo negro é múltipla. Há o débito social histórico, essa miséria transmitida de geração a geração sem que a sociedade brasileira lembre-se de resgatá-lo. Há o preconceito. Há a exploração da estrutura capitalista, que aí é, portanto, uma sobre opressão.

Em artigo publicado nesta coluna Contracorrentes, Marcelo Semer, apoiado em levantamento da Secretaria Nacional da Juventude (trabalho coordenado por Jaqueline Sinhoreto), traz, nessa ordem de considerações, um dado irrespondível: “mais de 60% dos presos são negros (prende-se 1,5 vez o número de brancos) e uma parcela próxima a essa é composta por jovens. Quanto mais se prende, mais jovens e mais negros lotam as cadeias”.

“Puta africana”, “macaca”, “vagabunda” foram algumas das frases dirigidas a Maju, a apresentadora negra do Jornal Nacional, no Facebook. A página do Extra que estampava as duas ilustrações teve, entre 1817 comentadores, 71% favoráveis ao linchamento.

Billie Holiday cantava uma canção chamada Strange Fruit. Falava dos negros enforcados em árvores nos sul dos EUA: “árvores do sul produzem uma fruta estranha/sangue nas folhas e sangue na raiz/corpos negros balançando/fruta estranha pendurada nos álamos/pastoril cena do valente sul/os olhos inchados e a boca torcida/perfume de magnólias, doce e fresca/Depois o repentino cheiro de carne queimada/Aqui está a fruta para os corvos arrancarem/Para a chuva recolher, para o vento sugar/Para o sol apodrecer, para as árvores deixarem cair/Aqui está a estranha e amarga colheita”.[i]

Aqui não são árvores, são postes de luz. Há neles uma estranha lâmpada.

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Maioridade penal foi fixada após estupro de menor na prisão, em 1927

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bernardino menino estupro menoridade penal


por Mariana Serafini

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Em 1927, menor estuprado na prisão levou Brasil a fixar idade penal

A maioridade penal foi fixada em 18 anos no Brasil em 1927, quando um crime brutal chocou o país e levou as pessoas a questionarem a violência contra as crianças. Desde então, esta é a primeira vez que existe uma proposta de redução.

A história ficou conhecida como “O menino Bernardino”. A criança, de apenas 12 anos, era engraxate, ao terminar um serviço o cliente saiu sem pagar. A reação de Bernardino foi jogar tinta no senhor que prontamente acionou a polícia. Quando os policiais chegaram o pequeno não soube explicar o que aconteceu e foi preso numa cela com 20 adultos.

Mesmo inocente, Bernardino permaneceu na prisão e foi estuprado e espancado pelos detentos adultos. De lá, jogado na rua. Ao ser resgatado e levado ao hospital, os médicos ficaram horrorizados com a história e a imprensa da época deu um grande destaque ao caso, que chocou a população. Apesar de haver uma violência generalizada contra as crianças pobres, além de uma exploração exacerbada do trabalho infantil, a população questionou os cuidados com a infância e exigiu medidas de proteção.

Pressionado pela opinião pública, um ano mais tarde o presidente Washington Luiz assinou o Código de Menores, um sistema de proteção à criança que fixava em 18 anos a idade para os adolescentes serem punidos como adultos. Este Código também protegia os menores de 14 anos abandonados, que não receberiam nenhum tipo de punição e a partir desta idade poderiam ser submetidos a medidas socioeducativas.

Para a professora de História da Educação da Uerj, Sônia Câmara, o Código dividiu as crianças “em dois grandes setores, o setor das crianças de elite, brancas e ricas e a grande maioria das crianças brasileiras: pobres, negras, abandonadas e delinquentes, que recebem o nome pejorativo de ‘menor’”. Mas ainda assim, ela vê com bons olhos esta que foi a primeira tentativa efetiva de regular e proteger a infância.

Mas havia uma “divisão social” que independia da idade porque eram considerados “menores”, as crianças abandonadas e que estavam sob a tutela do Código, ou seja, os “vadios”, ou “delinquentes”. Normalmente as crianças com estrutura familiar não se encaixavam nos pré-requisitos do Código.
A partir disso surge o SAM “Serviço de Assistência ao Menor”, que seria uma primeira tentativa do que conhecemos hoje como Fundação Casa. Porém, o aparelho funcionava, de acordo com a professora de História da USP, Maria Luiza Marcilio, como uma ferramenta de tortura e violência contra as crianças, e não como um mecanismo educativo.

Depois do fracasso da ditadura militar com a Funabem (que daria origem à Febem), em 1990 surge o Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado até hoje avançado. O ECA prevê a proteção à criança e ao adolescente baseado em leis internacionais e estabelece punições socioeducativas aos menores de 18 anos responsabilizados por crimes.

Um crime que chocou a sociedade brasileira em 1927, ou seja, quase 90 anos atrás, pode se tornar realidade novamente, caso as crianças e adolescentes sejam expostas à punição com adultos. É isso que propõe a PEC da redução, aprovada pela Câmara dos Deputados.

A história de Bernardino faz parte de uma série de arquivos resgatados pelo Senado Federal no Arquivo S.

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estamos regredindo 100 anos em cinco.

Não queremos uma justiça desumana, fria, de olhos e ouvidos vendados ao sofrimento

Escreve Marcelo Semer em seu blogue Sem Juízo:

Não queremos uma justiça desumana, fria, de olhos e ouvidos vendados ao sofrimento

Juiz de Direito no Estado do Rio de Janeiro, membro da Associação Juízes para a Democracia e do Grupo Reconstrução, Marcos Peixoto escreveu esse belo artigo sobre a sensibilidade e humanidade do juiz e as tantas perversões que nos cercam.
Serve de desabafo, mas também de alerta. Se o direito existe para a vida, o juiz deve saber enxergá-la:

“Não queremos juízes insensíveis, que desconsideram a situação peculiar da vítima, o sofrimento, a humilhação, a dor por que passaram, o pavor que sentem de se encontrarem novamente a poucos metros de seu algoz, e colhem suas informações com descaso, descuido ou desrespeito.”

A JUSTIÇA QUE NÃO QUEREMOS

 Jean Gouders

Jean Gouders

 

por Marcos Augusto Ramos Peixoto*

O exercício da judicatura coloca o magistrado em contato com momentos trágicos da condição e miséria humana, e também (mais raramente) com momentos de rara beleza.

Um fato, singelo e belo, que jamais esquecerei, ocorreu num processo criminal relativo a estupro, quando era juiz titular da Vara Criminal de Nova Friburgo.

Em meio a uma audiência extremamente tensa, e no momento da oitiva da vítima, que chorava copiosamente, a defesa se pronuncia:

– Gostaria que V.Exa. perguntasse à ofendida se ela sentiu prazer e alcançou o orgasmo no momento do fato.

Indeferi a pergunta, ao que o ilustre advogado requereu que ficasse consignado o indeferimento. Ditei:

– Que foi indeferida a seguinte pergunta: “se a ofendida sentiu prazer e alcançou o orgasmo no momento do fato”, posto que (diante das palavras da vítima até aqui) absolutamente desnecessária, desrespeitosa e deselegante.

O indeferimento foi consignado. A audiência prosseguiu. Em alegações finais (ou mesmo posteriormente, na via recursal) a defesa não impugnou o indeferimento da questão. O réu foi condenado. A sentença foi mantida pelo Tribunal.

Cerca de um ano depois, com a sentença já transitada em julgado e o condenado cumprindo sua pena, saía de meu gabinete em Nova Friburgo quando a vítima apareceu à minha frente, dentro do Fórum, perguntando se eu me lembrava dela. Respondi que sim. E ela então perguntou:

– O senhor permite que eu lhe dê um abraço?

Antes que eu pudesse articular alguma resposta (nem sei qual seria), ela se aproximou e me abraçou, colocando a cabeça em meu peito, o que durou no máximo cinco segundos. Depois, chorando muito, disse-me:

– Muito obrigado… Muito obrigado…

E partiu.

Nunca mais a vi.

Logo a princípio, tolamente, acreditei que ela me agradecia por ter condenado o acusado – mas não. Hoje creio que o agradecimento se deve a tê-la tratado com humanidade e sensibilidade num contexto tão dramático como o depoimento judicial de uma vítima de estupro.

Poderia ser dito que fiz estritamente o que era exigível para a situação. Também concordo. Porém, antes de tornar-me juiz advoguei por sete anos, e estagiei ainda antes disso por outros três. Tenho ao todo vinte e um anos de dedicação à prática do direito, e sei que as coisas nem sempre ocorrem assim.

Isto porque são mais comuns do que gostaríamos as práticas de uma justiça que não queremos.

Não falo aqui dos problemas de grande porte que acometem o Poder Judiciário: juízes assoberbados de trabalho; magistrados envolvidos com vendas de sentenças e acórdãos; colegas que consagram mais tempo a transitar por gabinetes visitando desembargadores e visando uma rápida promoção na carreira, que a sentenciar e trabalhar adequadamente; juízes que têm a judicatura como um “bico”, tal a profusão de cursos e aulas a que se dedicam; desembargadores que acreditam integrar alguma espécie de dinastia, e insistem em empregar parentes sem concurso público; concursos para ingresso na carreira da magistratura impugnados por suspeição; ausência de democratização interna do Poder Judiciário onde, segundo um nobre desembargador, “soldado não vota em general”(sic); falta de regras claras e objetivas para aferição de merecimento; convocações para substituição em segundo grau e para turmas recursais sem qualquer critério; edição de atos normativos inconstitucionais em desrespeito ao princípio do juiz natural.

Não…

Falo de problemas mais comezinhos – porém não menos relevantes.

Falo de exercer a função de julgar com sensibilidade.

Não queremos juízes inquisidores, que destratam os cidadãos na condição de réus em processos criminais, desconsiderando a presunção constitucional de inocência e o direito à não auto-incriminação, colhendo interrogatórios como se estivessem já na frente de culpados (aliás, como se os próprios culpados merecessem aquele tratamento…).

Não queremos juízes insensíveis, que desconsideram a situação peculiar da vítima, o sofrimento, a humilhação, a dor por que passaram, o pavor que sentem de se encontrarem novamente a poucos metros de seu algoz, e colhem suas informações com descaso, descuido ou desrespeito.

Não queremos magistrados que tratam testemunhas e partes sem qualquer paciência, como se estivessem ali tomando seu precioso tempo, exigindo que falem rápido e pouco (de preferência nada), para que possam alcançar metas absurdas de produtividade impostas por uma visão privatista do Judiciário – colocando-o no mesmo nível que uma empresa de fast-food.

Não queremos desembargadores que dispensam a juízes um tratamento ao mesmo tempo arrogante e displicente – deixando a seguinte dúvida: se tratam assim a colegas de profissão, como tratarão partes e advogados?

Não queremos julgadores que não se apercebam da nobreza de seu mister e, sobretudo (seria um truísmo?), que atrás de cada processo há ao menos uma vida, uma esperança, um tormento, um sofrimento, e que aquela montanha de papéis merece atenção, dedicação.

Não queremos magistrados alheios à sociedade que os cerca, aos anseios e vicissitudes dos cidadãos que em última análise arcam com seus salários, das minorias, dos desvalidos, tratando-os desigualmente em face de magnatas, empresas globalizadas ou conglomerados financeiros.

Não queremos um judiciário que se entenda como um club-privé, uma micro-sociedade auto-suficiente e indiferente ao que a cerca, não se apercebendo, a cada momento, que existe para servir ao povo e não a si mesma.

Não queremos enfim uma justiça desumana, fria, de olhos e ouvidos vendados ao sofrimento de quem a procura por vezes como última alternativa – ou de quem a ela é apresentado por não ter tido qualquer opção.

Enfim, não basta só discutir a justiça que queremos. Temos sempre de atentar, também – para nunca perder de vista e passar despercebida –, à justiça que não queremos.

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(* ) Marcos Peixoto é Juiz de direito do TJRJ, membro da Associação

Juízes para a Democracia e do Grupo Reconstrução

QUANTO SOFRIMENTO DE MULHERES SERÁ NECESSÁRIO PARA QUE SE COMBATA A VIOLÊNCIA MACHISTA NA USP?

machismo na usp

por Letícia Pinho (*)

Nos últimos dias muita gente recebeu assustada a notícia dos casos de violência sexual na faculdade de medicina da Universidade de São Paulo, a FMUSP. A repercussão veio à tona depois da publicação da matéria no site ponte.org “Violência sexual, castigos físicos e preconceito na Faculdade de Medicina” (que pode ser acessada no link:http://ponte.org/violencia-sexual-castigos-fisicos-e-preconceito-na-faculdade-de-medicina-da-usp/). São relatos muito tristes e revoltantes que mostram que a USP não é um mundo à parte da realidade da violência que atinge diariamente milhares de mulheres no nosso país.

No Brasil a violência contra as mulheres é uma verdadeira epidemia: a cada 10 segundos uma mulher é estuprada, a cada 2 minutos cinco mulheres são espancada e a cada 2 horas uma mulher é assassinada. O Brasil é o 7º país onde mais morrem mulheres vítimas da violência machista. São dados terríveis que traduzem em estatísticas um verdadeiro inferno cotidiano vivenciado por todas nós. Todo esse cenário também se reflete dentro dos muros da Universidade. São muitos os casos de agressões físicas, perseguição, assédios e estupros. A falta de creches para as estudantes e trabalhadoras que são mães, a falta de bolsas de permanência e de vagas na moradia, a terceirização que retira direitos e precariza o trabalho principalmente de mulheres negras também são formas de violência enfrentadas pelas mulheres na universidade.

E diante de tudo isso, quando somos vítimas, nos deparamos com uma situação de total desamparo e abandono. O papel que a reitoria da Universidade e o Governo do Estado de São Paulo estão cumprindo é inaceitável pois o que vemos é um absoluto silêncio, fechando os olhos para a realidade e não apresentando nenhuma proposta para combater a violência contra as mulheres. A atitude da direção da faculdade de medicina é absurda pois além de não ter feito absolutamente nada para apurar os casos e punir os agressores, não deu apoio para as vítimas e ainda por cima tentou silenciar a situação para não “manchar o nome” da instituição. No dia 11 de novembro foi realizada uma audiência pública para debater os casos ocorridos na faculdade de medicina e o Deputado Adriano Diogo, do PT de SP, declarou ter sido pressionado pelo diretor da faculdade de medicina, o professor José Otávio Auler, para não realizar a audiência. O nome e a tradição da FMUSP foi colocado em primeiro plano e a defesa das mulheres foi descartada. E nessa quarta feira dia 12/11 o médico Paulo Saldiva, que presidia a comissão que apura os casos de violência sexual, pediu afastamento do cargo por estar cansado de ter que “engolir sapos” e que na faculdade não há o empenho necessário na investigação dos casos. Somente após a repercussão das denúncias é que a faculdade anunciou que vai criar um centro de defesa em direitos humanos.

Na USP não existem canais para denúncia dos casos e tampouco punição dos agressores. Por não existir uma ouvidoria para esse tipo de violência na universidade, não se tem ideia de quantos casos como esses acontecem. A presença da polícia militar no campus, mesmo depois de muita resistência do movimento estudantil na universidade para que o acordo da USP com a PM não fosse assinado, não impediu com que houvessem esses casos. A presença da polícia militar no campus não garante a segurança, não é solução para a violência contra as mulheres. A guarda Universitária por outro lado ano após ano está sendo sucateada e o contingente feminino é muito reduzido. Falta gente, falta treinamento e investimento. Também não existe nenhum centro de referência no combate à violência contra as mulheres para acolhimento das vítimas e orientação médica, jurídica e psicológica. É preciso dar um basta a essa situação revoltante!

A força que as estudantes da faculdade de medicina tiveram para denunciar esses casos nos inspira e nos fortalece. E é importante que se diga que essas estudantes não estão sós. Ao lado delas somos milhares. Vamos transformar toda essa dor em luta para mudar essa realidade e mudar a universidade para que nenhuma mulher passe por todo esse sofrimento. Viver sem violência é um direito das mulheres.

Queremos medidas efetivas para combater a violência contra as mulheres na USP! No II Encontro de Mulheres Estudantes da USP, realizado nos dias 17,18 e 19 de outubro, estudantes de vários cursos e campi debateram a realidade da violência na universidade e que medidas poderiam ser implementadas para mudar esse cenário. Nós da ANEL e do Movimento Mulheres em Luta participamos desse importante espaço de fortalecimento do movimento feminista e estudantil na universidade e continuaremos com toda a nossa força participando da mobilização para mudar essa realidade. Com a unidade do movimento feminista com o movimento estudantil e de trabalhadores é possível com muita luta termos vitórias!

Nesse sentido exigimos:

* Mais iluminação nos campi.
* Criação de uma ouvidoria que sistematize e encaminhe os casos de violência contra a mulher na USP.
* Abertura de inquéritos administrativos que levem à responsabilização e punição dos agressores.
* Criação do Centro de Referência de combate à violência contra a mulher com atendimento multiprofissional para acolhimento das vítimas.
* Fim do convênio da USP com a polícia militar.
* Aumento do efetivo feminino da Guarda Universitária, com preparação para casos de violência contra a mulher.
* Campanhas institucionais da USP sobre violência contra a mulher na universidade, a começar pelos trotes na calourada.

(*) Diretora do DCE-USP, Executiva Nacional da ANEL, Executiva Nacional do MML.